SOBRE O LUGAR DE FALA ou EMPODERE-SE ou ainda, TE ALUI, CRIATURA!

Eu sei, estava afastada de nossas conversas, mas há um bom motivo. Passei esse tempo ausente, vendo muita coisa, estudando um monte de outras e me assustando com diversas outras. Questionei, inclusive, a necessidade de estar aqui na web, principalmente considerando o número imenso de pessoas que hoje falam sobre educação e, muitos deles, que se tornaram virais, sem nenhuma formação pedagógica.

Depois de muita reflexão e terapia, entendi que preciso ocupar o meu espaço, o meu lugar de fala e esse vídeo marca esse retorno, pois isso o tema: sobre o lugar de fala ou empodere-se ou ainda, te alui, criatura!

E quero começar nossa conversa falando sobre lugar de fala. A Djamila Ribeiro, filósofa brasileira, tem um livro incrível sobre esse assunto, nesse link https://www.youtube.com/watch?v=S7VQ03G2Lpw, e explica que basicamente lugar de fala é sobre quem tem direito a voz e consequentemente poder na sociedade patriarcal.

Vamos considerar alguns exemplos: em um congresso de educação: quantas mulheres estão entre as palestrantes principais? Melhor ainda, quantos desses palestrantes vivenciaram na prática uma sala de aula com 20, 30 crianças? Segundo o CENSO ESCOLAR de 2018 cerca de 80% dos 2,2 milhões de docentes da educação básica brasileira são do sexo feminino. E segundo o CENSO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR DE 2016, na universidade onde o salário é maior, elas representam 45,28% e os homens 54,72%.

Se pensarmos na política, quantas educadoras de localidades periféricas lá se encontram? E agora, nas redes sociais? Quantos educadores, homens ou mulheres, estouraram, viralizaram?

Mas conheci, esses tempos, um especialista em novas tecnologias, criatividade, inovação que está palestrando sobre como as escolas devem ser e usa como grande competência para isso o fato de ser... pai. Tem ainda um humorista que conta como devemos criar nossos filhos. E essa semana conheci um psiquiatra que ensina como alfabetizar seus filhos. E estão cheios de seguidores, rentabilizando, muito bem, um conhecimento que quiçá seja teórico, mas desprovido de prática, em uma visão muito maniqueísta. E isso não é de hoje. Há tempos um economista ficou bem famoso dizendo como as escolas deveriam ser. Mas, nós podemos dizer a um psiquiatra como diagnosticar? Inclusive recebo muitas crianças na minha prática psicopedagógica laudadas por psiquiatras e/ou neurologistas como tendo TDAH, dislexia sendo que muitos apenas não aprenderam ainda. Mas são laudados e medicados em uma visão tecnicista e nem um pouco inclusiva ou humanista.

Não estou dizendo que eles não possam pensar educação, debater educação. Mas questiono o motivo de não haver debate, somente colocações que, por mais que sejam absurdas para quem vive educação, pouco são questionadas. Uso como exemplo, mais uma vez, o número de fãs e seguidores que reproduzem esses discursos que muitas vezes contrariam as pesquisas sérias de educadores.

E é esse o ponto. Quando nós, que estamos no chão da escola assumiremos nosso lugar e vamos debater com o poder vigente sobre o que é e como precisa ser a educação? E o nosso lugar de produtores de conhecimento? O que nos leva ao segundo tema da nossa conversa: empodere-se!

O poder do educador e, atualmente, da educação, vem sofrendo baques constantes. Se pensarmos que, até muito pouco tempo, quem tinha “segundo grau” tinha a certeza de um bom emprego devido à escassez extrema de pessoas qualificadas. Hoje se tem muito título e poucas certezas de empregabilidade. A universalização do ensino, nunca foi alcançada no Brasil, mas aumentou-se expressivamente a oferta da escolarização de forma que a quantidade , muitas vezes, não foi seguida da qualidade. Essa característica nos deixa marcas profundas e faz com que nossa autoestima de fique abaixo das linhas dos pés, muitas vezes. Exemplifico com o dado do censo de 2009 em que ainda 7,7% dos educadores eram leigos. Isso, 13 anos depois da 9394/96 que que diz, em seu artigo 62, que a “formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal”.

O censo de 2018 mostrou que 2,2 milhões de professores no Brasil, um total de 25,8% não têm licenciatura em sua formação superior. E, como sabemos a licenciatura é onde se estuda psicologia da aprendizagem, didática, entre outras disciplinas essenciais para a prática docente.

Ainda segundo o censo de 2018, cerca de 15% dos professores cursaram apenas o ensino médio, dois terços dos quais voltado para o magistério. Cerca de 6,6 mil professores, ou 0,3%, completaram apenas o ensino fundamental e dão aula no País. Percentualmente parece ser um número baixo, 0,3%. Mas imagine que, um professor tenha cerca de 30 alunos ao ano. Se multiplicarmos 30 alunos por 6,6 mil professores temos quase 200.000 alunos por aluno que aprendem com um professor que nem o ensino fundamental finalizou!

Agora some a isso o fato de uma porcentagem considerável dos docentes que ensinam em área diferente de sua formação. Imagine que disciplinas como Língua Estrangeira é, em 58% das salas de aula do país ministrada por quem estudou (se estudou) qualquer outra licenciatura. Agora saiba que nossa língua mãe é ministrada por professores com formação adequada, nos anos finais do ensino fundamental em 62,5% das turmas brasileiras, sendo esse, pasmem, o melhor resultado.

Para a etapa de ensino médio, o pior resultado de adequação é observado para a disciplina de Sociologia: apenas 27,1% são ministradas por professores com a formação mais adequada. Os melhores dados de formação correspondente são observados para as disciplinas Biologia, Língua Portuguesa, Educação Física, Matemática e Geografia, com percentuais acima de 70%.

Os dados do censo de 2014 (último a explorar remuneração) ainda nos dizem que, no Ceará, por exemplo, o valor médio da remuneração do ensino público foi de R4 2.345,19 por 40h semanais, enquanto na rede privada a média para a mesma carga horária era de R$ 1555,47. 

Terríveis dados, não é? Mas não acredite em mim! Veja o Censo Escolar disponível em http://portal.inep.gov.br/web/guest/indicadores-educacionais.

Costumo dizer nas minhas palestras que é comum em um grupo de pessoas ainda desconhecidas, se apresentarem dizendo orgulhosamente: sou advogado, sou médico, engenheiro e o professor, meio envergonhado, diz muito baixinho que é professor. Se for de educação infantil então, parece que, socialmente e financeiramente é um “coitado” sem muita perspectiva. E os dados do Censo talvez expliquem os motivos...

Mas, da mesma forma que os advogados orgulhosamente decoram seus carros com o slogan “sem advogado não há justiça”, é preciso que orgulhosamente passemos a dizer: SEM EDUCADORES NÃO HÁ PAÍS! Mas, obviamente, isso só será possível se perdermos o medo de debater, de mostrar o que sabemos, o que estudamos e fazemos. E só poderemos fazer isso se realmente tivermos dados, pesquisas, suporte teórico/prático para tal.

Por isso, TE ALUI, CRIATURA! Assume teu lugar, luta por teu espaço. Apoia teus colegas. Te fortalece.

Eu estarei aqui, fazendo o mesmo, pois EU SOU EDUCADORA e citando o professor Leandro Karnal: Professores, se vocês desistirem, termina a esperança para o Brasil. 


Fontes:


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